sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O Nordeste em versos

A literatura de cordel sobrevive como uma das maravilhas da arte nordestina


Bráulio Tavares
Bráulio Tavares
A literatura de cordel é secular. Ela atravessou as fronteiras européias, chegou até o Brasil no século 19 e ganhou notoriedade em chão nordestino. E está mais viva do que nunca, ao contrário do que acontece em países europeus como França, Espanha e Portugal, onde hoje só há o registro dessa literatura em coleções de museus. Uma poesia popular que não está na mídia, mas é praticada pelos “cordelistas” em feiras livres, apresentada em amostras e centros culturais aos turistas que visitam o Nordeste. E há quem sobreviva dessa arte, que é tema de pesquisas em dezenas de academias brasileiras.

A denominação cordel tem origem erudita, uma influência de Portugal, e foi incorporada à linguagem dos autores populares. É uma poesia de caráter narrativo, popular, impressa nos chamados folhetos. Essa arte representa o pensamento popular e está intimamente ligada ao imaginário e à realidade do povo: retrata temas sociais, econômicos, políticos; narra histórias fantásticas, lendas, guerras, situações vividas por personagens históricos do Brasil e do mundo. São estórias do sertão, da religião e de romance. Trata-se de um misto de sabedoria popular e fatos atuais.


Pesquisas indicam que o primeiro a imprimir folhetos de cordel no Nordeste foi o cordelista Leandro Gomes de Barros, por volta de 1895, seguido de Francisco das Chagas Baptista e João Martins de Athayde. Segundo o escritor, compositor e estudioso da Poesia Popular Nordestina, o paraibano Bráulio Tavares, o cordel nordestino se diferencia dos cordéis europeus impressos nos séculos 18 e 19 pelo formato em versos.
O cordel inglês, chamado “chapbooks”, por exemplo, era quase sempre em prosa.  Tinha ilustrações em xilogravuras – arte de gravar em madeira – espalhadas por todo o texto, enquanto o nordestino usa apenas uma xilogravura na capa.  Além disso, os cordéis narrativos nordestinos usam em sua grande maioria a sextilha, a estrofe de seis versos setissílabos com rimas ABCBDB, o que é um traço característico e inconfundível.  Esse tipo de estrofe é raro na poesia inglesa e francesa, por exemplo.

 

À MARGEM - Para Tavares, a poesia popular é caracterizada pela poesia oral, criada e transmitida em voz alta, sem passar para o papel.  É uma literatura que corre à margem da ‘literatura feita nos livros’.  Ele lembra que essa poesia popular existe desde sempre no Nordeste, e não é simplesmente a produção de gente inculta e analfabeta, e como exemplo cita os poetas do Cariri pernambucano e paraibano de meados do século 19: Germano da Lagoa, Silvino Pirauá, Romano do Teixeira, Nicandro Nunes da Costa e Agostinho Nunes da Costa.

“Tratavam-se de homens que liam bastante, eram cultos e se exprimiam com um português ‘corretíssimo’, mesmo morando em lugares remotos. Tinham existência simples, sem ostentação financeira e sem títulos, mas eram uma elite intelectual.  Foram eles os que transpuseram para o povo nordestino os modelos poéticos, a linguagem a dicção poética da poesia barroca da Península Ibérica.  Isto é um fato cultural e social da maior importância, mas ainda pouco estudado”, frisa.

O interesse de Bráulio Tavares pela poesia popular começou na infância.  Seu pai, que era poeta e sabia centenas de poemas, o incentivou a também decorar e a escrever versos. Já a sua mãe, nascida na região do Cariri paraibano, trazia consigo toda essa cultura.  Bráulio Tavares só começou a estudar a poesia popular efetivamente a partir de 1971, quando foi criado o Movimento Armorial, por Ariano Suassuna – estudioso da poesia popular nordestina.

FALTA VALOR - Apesar de não ser propriamente um cordelista, ele escreveu um folheto intitulado “A pedra do meio dia, ou Artur e Isadora”, em 1979, que depois foi republicado em forma de livro em 1998.  Em breve, lançará o livro “Contando histórias em versos: Poesia e romanceiro popular”, onde dá noções básicas de poesia e de literatura de cordel. Para ele, a literatura de cordel não tem recebido o devido valor.  “Há muitas bibliotecas de cordel no Brasil e no exterior, muitos cursos e pesquisadores, mas em uma quantidade ainda inferior à importância que o cordel tem, como literatura, como reflexo cultural da vida nordestina, como material de análise jornalística, histórica, antropológica”, observa. Cita ainda cordelistas que se destacam no Nordeste como: José Pacheco, Manuel Camilo dos Santos, Delarme Monteiro da Silva e Joaquim Batista de Sena.  
Já para o cordelista pernambucano, Marcos Aurélio Gomes de Carvalho, autor de dezenas de folhetos de literatura de cordel, a poesia popular e a literatura de cordel não são apenas influência popular da Península Ibérica, mesmo sendo heranças culturais trazidas ao Brasil pelos colonizadores. “A literatura de cordel conseguiu adquirir características próprias no Nordeste e aclimatou-se ao nosso jeito de viver e conviver os nossos temas”, declara.

POPULAR - Aurélio começou a fazer cordéis em 2000, mas seu interesse pela poesia popular vem desde cedo, mais precisamente quando começou a freqüentar as feiras populares. “Elas me atraíam e me deixavam fascinado, ouvia os repentistas, emboladores de coco, rabequeiros e, vez por outra, um terno de pífano”, revela. A partir daí, começou a construir suas obras. “Todos os autores que li, assimilei gestos literais, fontes essenciais para poder compor minha própria mensagem. Além de tudo isso, uma alma nordestina sabe o que sente, sente o que tem e ninguém melhor que ele pode cantar sua terra em versos”.
Ele comenta que a literatura de cordel está mais viva do que nunca, apesar de estar inserida à cultura marginal, ou seja, na que não tem apoio direto dos meios de comunicação mais comuns. “Sofre, em parte, a falta de um melhor mercado, mas isso não quer dizer que não possa sobreviver. Não é para menos que o cordel sobrevive há tantos anos. Ainda há quem viva, exclusivamente, da venda de cordéis”.

* jornalista, Pernambuco Especial para
Ligação Direta em Revista



Fonte:http://www.senergisul.com.br/revista/revista20_2005/pagina42_43.html