quarta-feira, 30 de maio de 2012

O cotidiano dos donos de sebos em Belo Horizonte


Por Cinthya Oliveira
Desestimulado, Ronaldo Lima (Shazam), o mais antigo sebo de BH, pensa em fechar as portas
Os corredores do segundo andar do tradicional edifício Arcangelo Maletta, no Centro da capital mineira, não são mais como antes. Se algum tempo atrás era comum se deparar com o burburinho das pessoas percorrendo os sebos locais em busca de boas obras a preços bem acessíveis, o que se percebe, agora, é um silêncio quase sepulcral. O que não quer dizer que não haja mais público para o comércio de livros usados.
É que a popularização da internet mudou completamente a relação entre livreiros e consumidores. A maioria não quer mais saber de procurar de loja em loja – ou melhor, de sebo em sebo – pelos títulos desejados, já que é possível encontrá-los em casa, por meio de sites especializados (caso da pioneira Estante Virtual). Alguns entre os que não se adaptaram à nova realidade fecharam as portas.


Mas, mesmo com as mudanças, o Maletta continua sendo, sim, uma referência aos frequentadores de sebos – tanto que a livraria Opção está deixando seu tradicional endereço, na rua Guajajaras, para assumir unicamente uma loja menor no segundo andar do famoso prédio.
“Ao mesmo tempo em que a internet tirou um público dos sebos, porque qualquer um pode colocar um livro à venda na rede, há quem nos descubra por meio dela. Boa parte das nossas vendas são virtuais”, diz Ivanildo Ferreira, gerente da Opção. Segundo ele, com a web também mudou o trabalho dos livreiros, já que agora não é preciso ter um domínio sobre o ofício para descobrir o preço que deve ser atribuído a cada obra. Basta fazer uma pesquisa no Google para saber os valores dados por outras livrarias.
Quem aparece na loja é o amante do livro usado, aquele apaixonado pela poeira, pelo cheiro característico, pelo tom amarelado das páginas. Principalmente os colecionadores de livros raros, que não deixam de peregrinar pelos vários sebos da cidade. “Quem gosta de vir aqui é aquele não tem medo de ficar com as mãos sujas. A palavra sebo existe porque quem trabalha com isso realmente fica com a mão ensebada”, completa Ferreira.
A Buquinar também mudou de endereço por conta do novo perfil de cliente. O sebo foi transferido da rua Antônio de Albuquerque para o segundo andar de uma galeria na Fernandes Tourinho. “O belo-horizontino tem medo de entrar em livrarias. Não valia a pena manter a loja num lugar com o aluguel tão caro, já que a maior parte das vendas atualmente é feita pela internet”, afirma a gerente da Buquinar, Dulcineia Chagas.
Misto de livraria, editora e sebo, a Crisálida se mantém no mercado ao oferecer um serviço diferenciado. Cada livro que entra na loja logo recebe uma embalagem plástica, para uma melhor conservação. Cuidado que é valorizado por qualquer cliente, seja real ou virtual. “A internet oferece um mercado crescente. Não devemos nos esquecer de que há poucas livrarias no Brasil. De acordo com a Câmara Brasileira do Livro, fora das regiões metropolitanas, apenas cerca de 50 cidades brasileiras têm livrarias. Por isso, boa parte de nosso público virtual vem das cidades do interior”, afirma Oséias Ferraz, dono da Crisálida, localizada no Maletta.
Já Ronaldo Lima, 72 anos, o mais antigo empresário da área de sebos da cidade, não está otimista com o mercado. Dono da Shazam, primeira livraria instalada no Maletta (em 1969), ele pensa em fechar a loja: nunca viu tamanho declínio de vendas em quatro décadas de trabalho. “O problema é o grande número de livrarias clandestinas que existem hoje. Muitas pessoas não regularizadas colocam os livros à venda na internet por metade do preço porque não pagam impostos, não têm custos. Além disso, a prefeitura retirou das ruas as pessoas que tinham banquinhas, que acabaram abrindo pequenas livrarias não legalizadas”, reclama.
O perfil do cliente também mudou, diz Lima. “Houve um retrocesso na educação do brasileiro. Não há mais aquela figura do intelectual que está formando a sua biblioteca, mas sim os mestres que desenvolvem dissertações a partir de capítulos xerocados. Antigamente, se esgotava a obra de um autor ao escrever uma dissertação. Hoje, os estudantes vão direto aos capítulos indicados pelos orientadores”.
Também mudou o caminho das obras até as prateleiras dos sebos. Os livros mais especiais normalmente são conquistados em bibliotecas de colecionadores e apaixonados por leitura falecidos – é a velha história da viúva que não sabe o que fazer com tantos objetos do marido. Mas também aparecem, nas lojas, as pessoas que estão de mudança, aquelas que acabaram de fazer uma arrumação em casa e aquelas que precisam de dinheiro rapidamente. Há relatos de que atualmente é comum jovens de classe média viciados em crack assaltarem a biblioteca da família para vender livros.
Quem diversificou o negócio dribla as adversidades. Na Livraria Paraíba, por exemplo, há venda de revistinhas em HQs e DVDs (a R$ 5). Na Vila Rica, há vinis e outras bugigangas. “Desde que criei a venda de objetos, em 2005, outras três lojas aqui fizeram o mesmo”, conta o dono, Sebastião do Nascimento.